domingo, 29 de novembro de 2009

Mãe é Mãe - artgº de Ana Sá Lopes

Há quanto tempo é que o teu pai não telefona? Vais telefonar-lhe para quê? Ele é que tem a obrigação. Gostava de o ver aqui, a tratar das roupas e da escola e das doenças. Não faz a mínima ideia, nem quer saber. Lembras-te como foi péssimo o último fim-de-semana que passaste lá em casa. Aquilo está tudo cheio de pó, não é? E não comem a horas, pois não? Não me admira, com aquela fulana. A madrasta da Gata Borralheira é capaz de ser melhor. Qualquer dia obriga-te a lavar a loiça.
Ele sempre foi insuportável. Aliás, todos os homens (ou quase) são intratáveis. Umas bestas (quase). A maior parte faz os filhos e depois não quer saber. São todos iguais, mais ou menos.
E este ano as férias voltam a ser uma seca, não é? Não percebo, como é que ele não te leva a Nova Iorque ou à Tailândia ou ao México ou ao Havai. Sempre aquelas férias pindéricas na praia. Julga que isso é uma grande coisa? Farta de praia estás tu.
Eu sei perfeitamente o que é para ti aturares aquilo tudo. Da última vez doeu-te a cabeça e só pode ter sido disso. E depois a fulana não joga com o baralho todo. E o vestido que te deu? Alguma vez tu podias ir para algum lado assim vestida? Não faz ideia, deve ser assim na terra dela.
Se ele te telefonar, diz-lhe que este fim-de-semana já está tudo combinado para irmos para Setúbal. E no outro tens dois aniversários, o da tia Zinha e o da prima Vera. Só se for no outro e mesmo assim convinha que fosse depois do almoço de sábado e se ainda pudesses vir cá dormir porque no dia seguinte há reunião dos escuteiros muito cedo. Escusavas de dormir fora. Aliás, toda a gente sabe que andar de um lado para o outro faz mal às crianças. Retira-lhes a estabilidade emocional. As crianças precisam de uma casa, de identificar o seu próprio espaço físico, não podem andar como se fossem trouxas. Ou sem-abrigo. Mas deve ser mesmo isso que ele quer. Já não me pode chatear a mim, agora chateia-te a ti. Deve ser de propósito. Sabe que tu não tens pachorra e telefona-te a obrigar. Eu também não gostava. Imagino o inferno. Coitada de ti, passar horas a fio a ouvir a voz daquela pêga.
Pêga é um pássaro, bolas! Por mim tu vais para casa dele sempre que quiseres e quando quiseres. Até podes mesmo ficar lá a morar de vez. Ficavas logo a saber o que era bom. Acabavam-se as fitas, a papinha feita. Mas isso não deixo, porque ele é capaz até de passar a noite a embebedar-se nos bares com as crianças sozinhas em casa. Lá no frigorífico nunca deve haver leite, o pão é capaz de ser comprado uma vez por semana. Ou é bimbo. Estás-te a ver a comer pão bimbo todos os dias?
Só sei é que se ele estivesse muito preocupado contigo telefonava mais vezes. Há quanto tempo não o vês? Toda a gente acha isso inacreditável. Eu qualquer dia tenho uma conversa com ele. Mas isso também não serve para nada. Se calhar o que ainda era melhor era levar-te a um pedopsiquiatra.

Ana Sá Lopes - Jornalista ( ana.s.lopes@dn.pt )

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